08 dezembro 2025

33% culpam surto por dano à tornozeleira — e o debate revela algo maior

Essa é só minha opinião e qualquer um pode ter a sua, ou seja, para condenar ou para obsorver.

Quando analisamos a pesquisa do Datafolha, que mostra que 33% dos brasileiros acreditam na versão de Jair Bolsonaro sobre o surto paranoico que o levou a danificar a tornozeleira eletrônica, algumas questões se impõem. A principal delas é lógica: se Bolsonaro realmente quisesse fugir, teria adotado um caminho muito mais simples do que tentar “abrir” o equipamento.

A tornozeleira possui laterais de borracha que podem ser cortadas facilmente e aliás, é exatamente esse o mecanismo previsto para quem efetivamente tenta romper o monitoramento. Uma tesoura doméstica seria suficiente. Mas, para além disso, há um detalhe incontornável: como alguém cercado por policiais no lado de fora e ele dentro da própria residência, poderia escapar? Se essa fosse a intenção, o cenário beiraria o roteiro de um filme de ação, com um senhor de 70 anos, desarmado, tentando enfrentar agentes do Estado para fugir. É uma hipótese que não se sustenta nem na prática, nem na lógica.

O verdadeiro problema, no entanto, parece residir menos no episódio e mais na forma como parte da imprensa tenta construir certas narrativas. Insiste-se na versão mais improvável, como se um plano de fuga fosse uma possibilidade concreta diante de uma operação policial que já monitorava rigidamente todos os passos do ex-presidente.

Assim, Bolsonaro está hoje preso por um crime que, na prática, não ocorreu — a tentativa de fuga — e cumpre regime fechado por uma ação que jamais se materializou. Danificar o aparelho? Sim. Fugir? As circunstâncias tornam isso praticamente impossível.

O que dizem os números

A pesquisa Datafolha mostra um país dividido, mas não necessariamente informado da mesma forma.
33% acreditam no surto paranoico narrado pelo ex-presidente.
54% concordam com o ministro Alexandre de Moraes e veem tentativa de fuga.
13% não souberam opinar.

O mais curioso é que esses números se distribuem de maneira relativamente homogênea entre os segmentos socioeconômicos, com variações que se mantêm dentro da margem de erro. Há, porém, recortes interessantes:

  • Jovens de 16 a 24 anos tendem a acreditar mais na hipótese de fuga (60%).

  • Os mais ricos, por outro lado, inclinam-se ao surto (40%).

  • Evangélicos (46%) e eleitores de Bolsonaro em 2022 (66%) aceitam mais facilmente a versão do ex-presidente.

  • Nordestinos (61%) e eleitores de Lula (66%) endossam a narrativa da fuga.

O contraste revela menos sobre o fato em si e mais sobre o ambiente político carregado, em que cada grupo lê o mesmo acontecimento com lentes distintas.

O episódio e o excesso de interpretações

Entre tantas versões, o próprio episódio se torna secundário. A confusão em torno da tornozeleira é apenas mais um capítulo na sequência de acontecimentos que marcaram o processo no qual Bolsonaro foi condenado por tentativa de golpe.

Mas uma pergunta persiste: estamos julgando fatos ou intenções?
E mais: até que ponto a opinião pública é moldada por narrativas que ignoram dados concretos?

No fim, a reação ao caso diz mais sobre o clima político atual — polarizado, desconfiado e saturado de versões — do que sobre qualquer suposta tentativa de fuga. Resta ao público filtrar, com cuidado, o que é fato, o que é interpretação e o que é apenas construção discursiva.

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