Dias antes de determinar, nesta terça-feira (25), o início do cumprimento de pena do ex-presidente Jair Bolsonaro, o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), ordenou sua prisão preventiva. Parte da justificativa para a medida baseou-se em uma vigília realizada por apoiadores em frente à residência do ex-presidente.
Na decisão, Moraes colocou em dúvida a intenção religiosa do grupo. Ele classificou a vigília como um ato capaz de “colocar em risco a ordem pública e a efetividade da lei penal”, chamando-a ainda de “reunião ilícita” que estaria provocando “tumulto”.
Especialistas consultados pela Gazeta do Povo veem na decisão um precedente perigoso contra a liberdade religiosa no país. Para eles, o ministro cria um novo critério jurídico ao avaliar o “foro íntimo” e a intenção dos participantes de um ato religioso, abrindo brecha para que vigílias e orações públicas sejam questionadas como supostas ameaças à ordem — mesmo quando pacíficas.
Segundo os juristas, esse tipo de interpretação já provocou restrições em outros países.
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Reino Unido: desde 31 de outubro de 2024, é proibida qualquer ação pró-vida num raio de 150 metros de clínicas de aborto na Inglaterra e no País de Gales. Rezadores silenciosos já foram interrogados e até detidos.
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Alemanha: em 2021, um tribunal proibiu vigílias de oração em frente a clínicas de aborto, classificando-as como “constrangedoras”, mesmo sem registros de agressão ou perturbação.
Para o professor de Direito Religioso André Fagundes, mestre em Direito Constitucional pela Universidade de Coimbra, o risco de importação dessa lógica para o Brasil é real.
“Se essa interpretação se espalhar, o Judiciário pode passar a enxergar vigílias religiosas com presunção de ilicitude: diante de hospitais, escolas, casas de autoridades ou clínicas”, afirma. “A liberdade religiosa e a liberdade de reunião pacífica perderiam conteúdo real e se tornariam apenas uma promessa abstrata.”
O advogado Warton Hertz, especialista em Direito Religioso e diretor do Instituto Brasileiro de Direito e Religião (IBDR), reforça a gravidade do precedente.
“É uma decisão vinda de um tribunal superior, que tende a orientar magistrados de instâncias inferiores. Isso pode gerar uma onda de restrições à liberdade religiosa, muitas vezes pautadas por interpretações políticas ou ideológicas sob o argumento genérico de risco à ordem pública”, alerta.
Juristas concluem que, ao permitir que juízes questionem a natureza religiosa de reuniões pacíficas e interpretem intenções subjetivas de cidadãos, o STF abre espaço para que práticas de fé — especialmente em ambientes públicos — passem a ser tratadas como atos potencialmente criminosos.
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